sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Conto 3 - Querido diário


Salvador, 22 de maio de 2006.

Hoje, como há muito tempo não faço, olhei-me em um espelho e me vi inteira. Estava decorando a loja para o Dia dos Namorados e, enquanto colocava alguns corações de papel no espelho do provador, olhei para ele.

Na hora fiquei gelada. Quem era aquela mulher? De quem era aquele olhar?

Tive vontade de sair correndo. Quase gritei.
Sufoquei o grito e evitei que minhas pernas obedecessem meu primeiro impulso.

Por alguns instantes, quis sumir. Aí, lembrei das crianças.

Aquela mulher que vi no espelho não parecia ter acabado de fazer 38 anos. Nem a maquiagem conseguia disfarçar as olheiras. A roupa já não conseguia esconder os quilos extras que teimavam em aparecer e eu não conseguia fazer com que desaparecessem.

Meu corpo não estava contra a gravidade e, sim, a favor dela. Meu cabelo sem brilho e forma, teimava em não ficar bonito, mesmo com a chapinha que eu tinha comprado só para isso. Deixei de comprar minhas vitaminas aquele mês, para poder comprar essa maldita chapinha e, pelo visto, joguei meu dinheiro fora. Está um bagaço.

Que vida é essa? Estou tão cansada, tão desanimada.

As crianças estão crescendo. A Laurinha já está precisando de sutiã. A Joana morre de saudades de mim, tadinha, tão nova e tão carente. O Davi nem lembra que tem mãe quando está jogando bola com os coleguinhas, mas é só bater a fome que corre para os meus braços: “Mamãe, tô com fome!”

O traste do Francisco atrasou a pensão esse mês. Parece que ele faz de pirraça. Não pude pagar a faxina que eu tanto queria fazer no apartamento e os meninos ficaram sem a pizza do final de semana. Falta pagar a conta de energia e o condomínio.

Preciso fazer as compras da quinzena, ir à farmácia comprar os remédios do meu pai e levar minha mãe para receber a aposentadoria dela.

E ainda tem as notas do boletim da Laura. Não gostei nadinha dela ter tirado tanta nota vermelha esse bimestre. O que ela anda fazendo que não estuda?

Ah! Semana passada, encontrei uma ex-colega de faculdade. Poxa, quanto tempo! Ela está ótima, trabalha numa clínica de estética dando aula de Pilates. Muito chique. E eu aqui, ralando bucho no balcão da loja de dia e na pia à noite. Que tristeza.

Quanta coisa para fazer, quantas pessoas para atender, quanta responsabilidade. E ainda é segunda-feira.

Às vezes, eu só queria chorar. Apagar meus anos de casamento falido, a escolha errada que fiz, não ter que abandonar a faculdade, não ter me esquecido dos meus sonhos. Mas, aí me lembro dos meus filhos. Apesar do trabalho que me dão, são a minha maior alegria, a única recompensa dessa vida que eu levo. Hoje, não saberia viver sem eles.

Só que hoje, só hoje, queria me sentir bonita e viva novamente.

6 comentários:

  1. E sabe moça, as escolhas que fazemos, ainda que errada, pode ter lá suas coisas boas. Se isso nunca tivesse acontecido, onde estariam os seus filhos, você nem se imagina mais sem eles não é mesmo...

    O otimismo é uma boa receita pra esses momentos, ainda que a gente tenha que engolir como um remédio com gosto ruim, obrigar a descer pela garganta, até fazer efeito.

    Não veja as coisas pela parte ruim. O negocio é nunca parar de seguir, nunca achar que a idade conta em alguma coisa, nunca ver as coisas só pela parte chata. Aliás, tudo conta na vida. Principalmente as experiencias.

    Então, é bom que toda vez que você olhar este espelho, veja a mesma mulher de sempre, ainda que tenha mudado bastante a antiga aparência, foi esta mesma mulher que já teve sonhos, vontades, e não custa nada trazer tudo a tona de novo. Faça novos planos, corra atrás. O segredo é não desisti nunca, tentar até...

    Até breve. Bjws. "__"

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    1. Rick, esse texto é um conto. Nao sou eu. :)
      Mas, obrigada mesmo assim.
      Bom final de semana!

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    2. Ih, não entenderam que eh um conto. Mas eh de sua autoria?
      Muito bom.
      Beijo

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  2. Seja o que for. Vc enfrentara e sairá vencedora e mais forte do que nunca.
    Bjs, Soraya

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  3. gostei do seu conto... infelizmente é a realidade de muitas mulheres espalhadas pelo mundo! Me pergunto somente qual será o motivo/a causa (ou hormonio) que faz mulheres tantas vezes tomarem decisoes errôneas?

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